Telenovela não se assiste, acompanha-se à nossa revelia. É elaborada com o pensamento voltado, quase que exclusivamente, aos telespectadores não assíduos. Assistindo-se a um capítulo por semana, não se perde o fio da meada. A telenovela de grande audiência invade a nossa vontade. Todos se encarregam de comentá-la à nossa volta. As outras emissoras de TV e as Rádios a comentam. O jornalista Washington Rodrigues, o Apolinho da Rádio Tupi/RJ, todas as manhãs no final de 2010 fazia uma imperdível paródia do capítulo da noite anterior de ‘Passione’ – a telenovela global das nove que era transmitida naquele momento. A paródia superou a obra...
Mesmo não tendo o status de boa literatura, as telenovelas são um absoluto sucesso de público – leia-se mercado de massa –, aqui ou no Exterior. Há quem lastime que as telenovelas não levem ao povo educação, cultura e uma correta informação, mesmo não sendo esse o principal objetivo da televisão aberta brasileira, diante da declaração recorrente de que ela visa apenas o entretenimento.
Na verdade, algumas vezes, a telenovela deseduca e desinforma. Haja vista, a atecnia jurídica detectada em várias telenovelas, como, por exemplo, a cristalizada pela possibilidade da outorga uxória para venda de um imóvel através de uma procuração por instrumento particular, forjado em uma folha de papel assinada em branco... Em outras, detecto falhas, menos graves, na área do mercado de arte: uma pintura flagrantemente antiga apresentando o reverso da tela absolutamente limpo, branco, como se tivesse acabado de ser pintada. Além disso, portas com aparências seculares que tremem como varas verdes ao serem fechadas – muitas vezes nem fecham... A iluminação com sombras difusas, como se vê em várias telenovelas, decerto, é o seu ‘calcanhar de Aquiles’. Outros equívocos, com certeza, devem ser perpetrados em outros campos técnicos e científicos que não domino.
Mesmo assim, conseguem fazer produtos inigualáveis e as telenovelas brasileiras são um fenômeno mundial. Já de algum tempo, são exportadas para inúmeros países e dubladas em diversos idiomas. Portugal todo se recolhe aos seus lares para assistir às telenovelas brasileiras. Desde as antigas radionovelas, o público vem se emocionando com esse entretenimento – Aqui no Brasil, temos a máquina pronta e azeitada para a produção de telenovelas em escala industrial. Dispomos de um grande número de profissionais de excelente qualidade: atores, técnicos, diretores e roteiristas. Até aí, a máquina está pronta e azeitada para produzir telenovelas com qualidade.
Além do núcleo central, onde se desenvolve o tema principal da telenovela, haverá sempre núcleos secundários, que interagem entre si e com o núcleo central. Se dramática ou trágica isso não é importante, o lado cômico sempre se fará presente no folhetim eletrônico. Faz parte do sistema. Quase sempre, as telenovelas são obras híbridas em que os três gêneros teatrais se reúnem, deixando de lado a teoria clássica que preconiza que os gêneros deveriam ser mantidos separados. Adotando uma teoria moderna, as telenovelas brasileiras homenageiam em seu bojo – muitas vezes no mesmo capítulo –, Racine (drama), Corneille (tragédia) e Molière (comédia). Uma pitada velada – às vezes, mais do que uma pitada e nem tão velada – de um grande clássico da literatura mundial, como a ‘Divina Comédia’, ‘Romeu e Julieta’, ‘Fausto’, ‘Primo Basílio’, ‘As Pupilas do Senhor Reitor’ e, o que é mais grave, de outras obras menos conhecidas.
Bem diferente da minissérie e do caso especial, que são obras fechadas, a telenovela é uma obra aberta: começa com um rumo, com base numa sinopse, mas terminará Deus sabe como, já que na busca da audiência, o povo – o verdadeiro autor – também aqui é a voz de Deus. Através da mídia, volta e meia, recebemos notícias de que o personagem tal vai morrer, porque o ator está insatisfeito com o papel ou porque o público não está gostando do personagem. Ou que, por apresentar baixos índices de audiência, a direção vai se reunir para dar novos rumos à trama de determinada telenovela. E, realmente, com essas mudanças, eles conseguem arribar a audiência de seus produtos. Honra seja feita: são profissionais competentes e não deixam jamais o índice do IBOPE cair.
Assim, grosso modo, em busca dos pontos de audiência e do share (forma abreviada de share of market, fatia de mercado, percentual de participação no total de televisores ligados em um determinado momento), quem escreve a telenovela é o público que interage, apresentando sugestões, reclamações, ideias, que deixa de assistir ao folhetim e depois volta, balançando os números do IBOPE. Contudo, os direitos morais e patrimoniais sobre a obra serão sempre de quem a assina.
(continua...)
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