quinta-feira, 28 de julho de 2011

H I S T Ó R I C O 10

(...continuação)



3 As narrativas ficcionais: ética,
estética e urbanidade

A primeira minissérie urbana brasileira, Avenida Paulista (Walter Avancini, 1982), fez-se
marcar pela ambientação em São Paulo, diferentemente da maioria das ficções da Rede
Globo, locadas basicamente no Rio de Janeiro. Focalizam-se aqui o gigantismo da maior metrópole da América Latina, a altura vertiginosa dos arranha-céus, a verticalidade
simbólica do capital, a aceleração cotidiana e a velocidade da grande cidade. A ação
toma o lugar dos diálogos, numa ficção que reproduz simbolicamente os ares de uma cidade masculina com S. Paulo. Mas, sobretudo, no centro da cena se tematiza criticamente a falta de ética no mundo dos mercados financeiros, a ganância dos poderosos, a dita luta para “subir na vida”. Outras minisséries urbanas, como Bandidos da Falange (1983), A máfia no Brasil (1984), Sampa (1989), A, E,I, O, Urca (1990), Boca do Lixo (1990). E caberia aqui apontar dois estilos diferenciados que caracterizam as minisséries paulistas e as cariocas, uma vez que cada um deles, em meio à sua própria diversidade de autorias e enfoques específicos, remete a ecologias, cartografias, geografias humanas e estilos de vida diversos, apresentando modalidades urbanas diferentes. Em ambos os espaços se vislumbram as representações diferenciadas dos abismos sociais, as disparidades das classes sociais de maneiras distintas, a conjugação espantosa do sublime e o grotesco da urbanidade brasileira. Em Boca do lixo (Sílvio de Abreu, 1990), os personagens se deslocam para uma cidade do interior de S.Paulo, mas se projetam ali as falcatruas das elites, o mundo da traição, o universo dos crimes, em contraponto à beleza e elegância metropolitana da grande São Paulo.
E, o frenesi da megalópole, o universo caótico urbano-industrial serve como fio condutor
para a tessitura da trama de Sampa (Gianfrancesco Guarnieri, 1989). O paradoxo
da grande cidade, em que os indivíduos se tornaram mais livres das amarras da vida
provinciana (e de seus valores arcaicos), ao mesmo tempo em que amargam uma existência solitária, serve como pano de fundo para a construção das minisséries paulistas; assim, o lixo e o luxo da cultura urbanoindustrial se projetam no contexto das minisséries brasileiras.
Por outro lado, encontramos minisséries importantes mostrando o outro lado dos cartões
postais do Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa, como Bandidos da Falange (Aguinaldo
Silva, 1983) e A máfia no Brasil (Leopoldo Serran, 1984), em que - já nos anos 1980 - as minisséries cariocas vão se empenhar em exibir na televisão angulações inéditas do crime organizado, do horror do narcotráfico e do que a mídia tem chamado de “governo paralelo”, no Rio de Janeiro, prenunciando um clima de “guerra civil”. O valor ético e
estético destas ficções consiste em mostrar, simultaneamente, a condição trágica e afirmativa dos atores sociais num contexto social injusto e desequilibrado.
É neste sentido que compreendemos a interface da teledramaturgia com a modernidade
urbana brasileira: aqui se desenham novas configurações psicológicas, sociais, políticas,
culturais, em que a ficção e a realidade se imbricam e se influenciam mutuamente.
As minisséries urbanas têm flagrado a complexidade do Brasil, em que - de um
lado - se consolida a modernidade industrialtecnológica, e do outro lado, o tecido esgarçado de uma modernidade social que não tem se realizado, em que a concentração de renda, a exclusão social expressam a face do subdesenvolvimento latino-americano.
(continua...)

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